Cotas da discórdia

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Instituições de ensino superior batalham para conseguir a mudança na base de cálculo da Lei de Cotas para a contratação de deficientes

 

Rachel Bonino

Desde 1991, a Lei de Cotas (nº 8.213) determina que todas as empresas brasileiras com mais de cem funcionários devem ter de 2% a 5% de deficientes contratados no seu quadro de funcionários. Segundo o IBGE, os portadores de algum tipo de deficiência representam 14,5% da população. Passados 15 anos da entrada em vigor da lei, gestores de empresas dos mais variados setores apontam uma série de empecilhos que inviabilizam sua colocação em prática. O setor do ensino superior não fica de fora.

 

Diferentemente de outras empresas, nas quais normalmente se contrata alguém por período integral, nas instituições de ensino o que prevalece entre professores é o regime de hora-aula. Por causa desse sistema, as IES possuem um número elevado de empregados contratados e, portanto, um índice alto de registros no Cadastro Geral de Empregados (Caged ), usado como base de cálculo pela lei. Essa conta torna obrigatório empregar uma quantidade maior de deficientes, o que, segundo as IES, é muito difícil dada a escassez de mão-de- obra qualificada no mercado. “Se eu tenho mil professores, terei de contratar 50 com necessidades especiais. Eles têm que ter especialização, o que é difícil de encontrar atualmente”, analisa José Roberto Covac, assessor jurídico do Sindicato das Entidades Mantenedoras de Estabelecimentos de Ensino Superior no Estado de São Paulo (Semesp).

 

Outra peculiaridade do regime de contratação nas IES é o fato de o coordenador de curso ser também professor e ter dois contratos junto à instituição, por força do que estabelece a convenção coletiva de trabalho. Sendo assim, ele representará dois registros no Caged, elevando ainda mais a cota que a IES deverá reservar à contratação de deficientes.

 

“Trata-se de uma lei burra, pois não há a previsão de uma regulamentação das exceções. De fato, existem setores que têm muita dificuldade de cumprir a lei pelo ramo de atividade que exercem”, explica o advogado trabalhista Gustavo Granadeiro Guimarães. Ele cita, como exemplo, as empresas de siderurgia, que podem colocar em risco os deficientes recrutados por força da lei. No caso das IES, o que emperra muitas vezes a contratação é, como já foi dito, a baixa qualificação dos candidatos, principalmente para ocupar as vagas de professores. São postos de trabalho que exigem, no mínimo, um diploma de mestrado, qualificação rara entre os deficientes.

 

Mesmo com as distorções apontadas, a lei está em vigor e há poucas opções senão cumpri-la. Para não atuarem na ilegalidade, as IES têm buscado maior flexibilidade na sua interpretação. A proposta, no entanto, vem encontrando resistência no Ministério Público do Trabalho (MPT), um dos responsáveis por fiscalizar as relações entre empregados e empregadores.

 

“O MPT entende que existem certos cargos em que é mais difícil encontrar profissionais capacitados. Mas entende que também é difícil encontrar pessoas que não tenham deficiência com qualificação exigida”, argumenta a procuradora Adélia Augusto Domingues, que compõe o Núcleo de Combate à Discriminação da Procuradoria Regional do Trabalho da 2ª Região, setor da Justiça do Trabalho que abrange a Região Metropolitana de São Paulo e a Baixada Santista. “Já imaginou se cada categoria que tiver dificuldade em contratar deficientes capacitados pedir para alterar a base de cálculo?”

 

Segundo a procuradora, as empresas têm uma responsabilidade social. “Se não encontram mão-de-obra qualificada, elas têm que qualificar esta mão-de-obra”, indica. Ela cita o caso de outras empresas fora do ramo da educação que destinaram verbas para a capacitação, como bancos e hospitais.

 

Sebastião Lacarra, da UnG: deficiente promovida a ombudsman da instituição

Atualmente, o Ministério Público do Trabalho tem em andamento 327 procedimentos de investigação contra empresas de todos os setores para averiguar a contratação de deficientes. Já foram lavrados 269 termos de compromissos de ajustamento de conduta, pelos quais as empresas estabelecem metas para cumprir a lei. O MPT já propôs na Justiça 25 ações civis públicas contra quem não se adequou. Dados da Delegacia Regional do Trabalho em São Paulo, órgão do Ministério do Trabalho, apontam que cerca de 45% das empresas privadas do Estado de São Paulo – em todas as áreas – ainda não cumprem as cotas.

 

Os acordos são um caminho para obter um respiro na disputa com Ministério Público do Trabalho, aponta o advogado trabalhista Gustavo Granadeiro Guimarães. Ele entende que há pouco espaço para flexibilização da regra. “Não cabe ao MP julgar a lei, o papel dele é fazer cumprir a lei. O que pode dar uma amenizada no rigor são os acordos com os sindicatos das categorias para que haja um período de adaptação ou para que a empresa monte cursos de capacitação profissional”, diz.

 

Negociação

 

Para dar uma solução ao caso sem que seja necessário alterar a lei, as instituições de ensino organizaram uma Comissão Permanente de Negociação, composta pelo Semesp e por entidades que representam os funcionários: Sindicato dos Auxiliares de Administração Escolar de São Paulo (Saaesp), Federação dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino do Estado de São Paulo (Fetee) e Federação dos Professores do Estado de São Paulo (Fepesp).

 

A proposta sugere a mudança na interpretação da lei. Pretende usar como referência para a base de cálculo a carga horária semanal, e não mais o Caged. Diversas reuniões já foram realizadas com a Delegacia Regional do Trabalho, que se mostrou aberta ao diálogo, segundo o assessor jurídico do Semesp José Roberto Covac. Um encontro com o Ministério Público do Trabalho foi realizado no dia 25 de julho último. Ficou estabelecido o prazo de 30 dias para uma resposta ao acordo coletivo proposto pela comissão. Três dias antes do cumprimento do prazo, no entanto, o Semesp foi surpreendido por um ofício de repúdio ao acordo assinado por Roberto Rangel Marcondes, procurador-chefe do MPT na 2ª Região.

 

Em reunião posterior com a Delegacia Regional do Trabalho, ficou acertada a marcação de novo encontro com o MPT. Procurada pela reportagem, a sub-delegada da DRT, Maria Elena Taques, que está acompanhando o caso, é cuidadosa ao falar sobre o assunto, já que o processo ainda está em andamento. Ela confirma que uma nova reunião será marcada para outubro, mas evita detalhar a posição do órgão na negociação. “A função do DRT é de aproximar as partes”, afirma.

 

“Houve uma evolução da discussão junto à Delegacia Regional do Trabalho. Mas não adianta fazer um acordo com a Delegacia se não há a concordância do MP”, aponta Covac. Na prática, o que acontece é que os órgãos envolvidos são independentes e entendem de formas diferentes a aplicação da lei. O advogado lembra que, mesmo que seja firmado um acordo com a DRT, o MP pode pedir sua anulação na Justiça, como aliás já afirmou que faria o procurador-chefe, no ofício citado anteriormente. “Há dissonâncias entre os órgãos”, diz o advogado.

 

A discussão sobre o cumprimento da lei ganhou corpo há cerca de três anos quando as Delegacias Regionais do Trabalho começaram a fiscalizar as instituições de forma sistemática, realizando termos de compromissos de ajustamento de conduta e, até mesmo, autuando as IES. Segundo Covac, uma única multa pode chegar a R$ 1,5 milhão.

Enquanto não se chega a um acordo sobre a mudança na base de cálculo, algumas instituições se mobilizam para dar soluções internas ao caso. A Universidade de Guarulhos, multada em R$ 90 mil este ano, está alterando layouts de departamentos e remanejando alguns quadros de funcionários para atender à legislação. “Estamos transferindo algumas funções para outros funcionários, e deixando livres outras, como aquelas de teleatendimento, nas quais o funcionário só precisa atuar em frente ao micro”, afirma Sebastião Lacarra, pró-reitor administrativo da UnG. Segundo o dirigente, nenhuma nova vaga foi criada para abrigar os deficientes. Um dos últimos reposicionamentos colocou uma funcionária cega no cargo de ombudsman na secretaria-geral da instituição.

 

 

Valéria Fidélis, da Unicsul: departamentos administrativos são os que mais abrigam deficientes

A Universidade de Guarulhos contrata hoje 23 empregados com deficiência. Pela lei, sua cota deveria ser de 55. “Como educadores poderíamos prepará-los para irem para o mercado de trabalho. Isso poderia nos ser exigido. Sendo assim, não deveríamos ter também a função de contratar. A lei deveria cobrar de outra forma as empresas que já fazem capacitação”, sugere Lacarra.

 

A Unicsul enfrenta problema parecido. Lá, atualmente existem sete funcionários com deficiência, quando a lei indicaria a contratação de 43. A instituição já foi autuada no final do primeiro semestre – o valor não foi revelado. Para Valéria Cristina Fidélis, supervisora de planejamento de RH da universidade, os departamentos técnicos e administrativos são os que concentram a maior parte dos atuais empregados deficientes. “É raro aparecer esse profissional mais qualificado”, afirma.

 

Além do trabalho interno de comunicar a abertura de processos de seleção – que são abertos para profissionais com ou sem deficiência -, a instituição faz a divulgação externa, em jornais, e contato com organizações não-governamentais e entidades que apóiam o deficiente. Mas nem sempre obtém resultados satisfatórios: “O retorno [das entidades] é muito baixo às nossas ofertas”, afirma.

 

Novo mercado

 

Com o início das autuações, as empresas correram para contratar deficientes e cumprir suas cotas. Esse movimento gerou forte demanda por deficientes capacitados, e surgiram também muitas entidades para ajudar no posicionamento desses profissionais e no recrutamento das empresas. Na visão do advogado do Semesp, José Covac, criou-se uma “máfia” das entidades e ONGs de apoio a deficientes.

 

Para Elisabeth Federici, coordenadora de capacitação e orientação de trabalho da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais de SP (Apae-SP), a Lei de Cotas trouxe visibilidade para a questão. “Muitas entidades nos procuram pedindo para transferirmos nosso banco de dados”, afirma.

 

A entidade é contratada por empresas para fazer o mapeamento das funções que são compatíveis com um portador de deficiência mental. De posse desse mapeamento, a empresa que deseja contratar uma pessoa aciona a Apae, que irá verificar dentro do programa de capacitação quem está mais apto para ocupar aquela vaga. Feita a contratação, o profissional será assistido durante um ano pela entidade, que também fará trabalho de conscientização junto aos funcionários da empresa contratante.

 

“Conheço empresas que não quiseram investir nesse processo da Apae e que procuraram fazer de outra forma. Um ano depois, vieram conversar novamente conosco. Poucas entidades fazem um trabalho de capacitação e acompanhamento”, conta. Atualmente, o projeto da Apae-SP – que completará três anos em dezembro próximo – capacita pessoas a partir dos 16 anos. No total, 575 deficientes já foram posicionados no mercado. A previsão é que esse número chegue a 600 até o final do ano, uma média de 200 pessoas incluídas por ano.

 

Uma das propostas de acordo sugeridas pelo Semesp, além da mudança na base de cálculo, prevê um prazo de dois anos para que as instituições contratem professores. Outra proposta é a criação de cadastro para haver o controle da contratação de professores e, ao final do prazo de dois anos, avaliar a aplicabilidade da legislação.

 

O Semesp já calculou os prejuízos que podem ser causados caso a interpretação da lei continue como está. Um dos problemas levantados é a demissão de professores para concentrar a carga horária em um número menor de profissionais e diminuir a base de empregados no Caged. Desta forma, as instituições terão de optar por professores que ministrem mais de um tipo de disciplina.

 

Projetos de inclusão desenvolvidos pelas IES, contraditoriamente, também sofreriam abalos. Convênios com entidades deverão ser cortados para cumprir da Lei de Cotas. “As instituições de ensino não são contra a inclusão, tanto que têm vários trabalhos de inclusão. Entretanto, é difícil a aplicabilidade dessa lei”, aponta Covac. A disputa com o Ministério Público do Trabalho ainda terá mais capítulos, resta agora acompanhar o seu desfecho.

 

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BONINO, Rachel. “Cotas da discórdia”. In: Revista Ensino Superior. Disponível em: <http://revistaensinosuperior.uol.com.br/textos.asp?codigo=11842>. Acesso em: 08 nov. 2010.

 



 

O papel das IES na Inclusão dos Portadores de Necessidades Especiais

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A questão da “inclusão dos portadores de necessidades especiais” tem assumido papel preponderante nos discursos tanto da iniciativa pública quanto da iniciativa privada. Percebe-se dois tipos de interesses principais ligados ao tema: um meramente mercadológico e outro realmente social. Dentro desse contexto, obviamente as Instituições de Ensino Superior (IES) não podem se ausentar de discutir o tema.

No caso do interesse mercadológico, pessoas ou organizações defendem a causa em busca da melhoria de sua imagem. O objetivo, certamente, é obter votos ou vender mais. Ou seja, discutir a questão da inclusão não passaria de uma estratégia de Marketing.

Por outro lado, no caso da preocupação verdadeiramente social, nota-se um interesse nobre de alguns grupos em realmente incluir essas pessoas especiais às rotinas comunitárias (dentre elas, o mercado de trabalho). É claro que as IES, no intuito de cumprirem seu papel social, devem se alinhar a essa segunda linha de pensamento.

De acordo com o tradicional Dicionário Aurélio, a palavra inclusão significa o ato ou efeito de incluir. No entanto, quando se relaciona esse termo com a questão dos portadores de necessidades especiais, surge um tema bastante complexo que, na prática, assume diversas interpretações. No caso das IES, acredito que a questão deva ser analisada sob três diferentes enfoques.

Primeiramente, as IES devem preparar sua estrutura física para receber alunos portadores de necessidades especiais. E isso, por si só, já representa um imenso trabalho e investimento. É preciso adaptar salas de aula, laboratórios, bibliotecas, cantinas, banheiros, além de facilitar o trânsito dessas pessoas especiais, com a instalação de rampas e elevadores. Claro que essas ações citadas são somente alguns exemplos. Muitas outras também poderiam ser pontuadas aqui.

Além de repensarem sua estrutura física, é necessário que as IES capacitem seus professores, colaboradores técnico-administrativos e estagiários a lidar com a diferença. Muitos portadores de necessidades especiais ainda sofrem discriminação dentro de faculdades, centros universitários e universidades pelo fato dessas organizações não possuírem profissionais devidamente treinados em sua linha de frente. É preciso investir em cursos de formação que abordem temas como relacionamento interpessoal ou Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS).

Por último, é preciso destacar que as IES têm papel fundamental no processo de inclusão dos portadores de necessidades especiais às rotinas sociais. Normalmente tidas como exemplo, são as IES as grandes responsáveis por muitas das modificações culturais que acontecem nas cidades, estados, países e até continentes. Dessa forma, não podemos nos abster de nossa responsabilidade. Nossos quintais devem servir de modelo para os vizinhos, mesmo que isso exija esforço humano e financeiro.

 

Professor MARLON JACKSON TAFNER

Presidente da AMPESC

 

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TAFNER, Marlon Jackson. “O papel das IES na Inclusão dos portadores de necessidades especiais”. In: Voluntários em ação, 10 jun. 2009. Disponível em: <http://www.voluntariosemacao.org.br/blog/otimas-praticas/o-papel-das-ies-nainclu sao-dos-portadores-de-necessidades-especiais>. Acesso em: 09 nov. 2010.

 

Universidades em obras

Com ajuda de seus estudantes portadores de necessidades especiais, instituições de ensino facilitam a rotina no campus com adaptações em edifícios e espaços de uso público

Estamos atrasados. Assim Izabel Loureiro, presidente da Coordenadoria Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência (Corde), define o preparo das universidades federais para receber alunos com necessidades especiais. O tempo, neste caso, é literalmente uma referência: no próximo dia 20 de dezembro, vence o prazo de três anos, previsto por decreto presidencial, para que os órgãos e entidades do governo promovam “as adaptações, eliminações e supressões de barreiras arquitetônicas existentes nos edifícios e espaços de uso público”. A avaliação é de que muito precisa ser feito, embora ações isoladas bem-sucedidas despertem cada vez mais atenção de instituições e de profissionais do ensino superior para questões referentes aos portadores de algum tipo de deficiência (física, visual, auditiva, mental ou múltipla). Nas escolas pagas, o contexto parece o mesmo: se de um lado há IESs totalmente despreparadas, na outra ponta existem aquelas que oferecem solução ideal a determinadas necessidades. Excluídas as adaptações mais comuns (rampas de acesso, portas e banheiros modificados e vagas reservadas em estacionamento), algumas medidas só vingam com o diálogo, a partir de indicações do próprio aluno com alguma necessidade específica sobre como sua rotina no campus pode ser facilitada. Esse diálogo dispara um processo descomplicado e de baixo custo para as instituições, apesar de a falta de informação a respeito solidificar impressão contrária. Num país em que as pessoas com algum tipo de deficiência representam aproximadamente 13% do total de habitantes, seria surpreendente se as universidades e faculdades não tivessem estudantes com necessidades especiais em suas listas de aprovados nos vestibulares. Por isso, algumas instituições que encontraram suas alternativas já conseguem recuperar boa parte do tempo perdido.

Intérpretes e orientação para mobilidade

“O trabalho da Corde é divulgar o mundo da pessoa portadora de deficiência. Existe uma série de normas do Ministério da Educação que regulamenta como devem ser as instalações de uma universidade. Mas, em muitos lugares, isso ainda é desconhecido. O acesso à biblioteca, na maioria das vezes, por exemplo, é dificultado por escadas. Não poderia ser assim. É na biblioteca que está o saber. Mas não podemos nos restringir aos portadores de deficiência física. Os demais também sofrem. Imagine um portador de deficiência visual que depende de um livro no sistema braile para aprender”, instiga Izabel Loureiro. Na Universidade Cidade de São Paulo (Unicid), a linguagem braile está presente em muitos pontos das instalações acadêmicas. Mesmo com pouca idade, o Centro de Apoio Acadêmico aos Deficientes (Caad), criado para informar sobre acessibilidade, preparar materiais didáticos, desenvolver programas, treinamento de funcionários e orientação a professores e colegas de classe, é reconhecido por suas realizações, tanto pelos alunos da própria IES quanto pela comunidade, que também tem acesso irrestrito aos serviços do centro. “Antes de criarmos o Caad, a Unicid recebera, em 1999, alunos com deficiência visual. Na época, tivemos o caso de uma aluna que fazia provas transcritas para o braile graças à dedicação do professor Sérgio Augusto de Naddeo, hoje diretor do centro de apoio. Essa experiência inicial motivou a criação do Auxílio ao Deficiente Visual (ADV), mas ele ficou ‘pequeno’ por conta da propaganda dos alunos, e partimos para o Caad”, lembra a professora Edileine Vieira Machado, responsável pela coordenação do programa. A expansão do Caad aconteceu não apenas pela quantidade de atividades, mas também pelos tipos de necessidades assistidas. Hoje, os alunos podem solicitar intérpretes da Linguagem Brasileira de Sinais (Libras), carteiras anatômicas, apoio psicológico e orientação para mobilidade – a pessoa portadora de cegueira ou de visão prejudicada aprende a andar sozinha, com auxílio de bengala, em ambientes fechados e abertos, em áreas comerciais e a utilizar transportes coletivos. “Sem dúvida, esses programas melhoram muito a convivência dos alunos. Por causa de todo esse apoio, muitos deles deixam suas escolas e nos procuram em busca de uma assistência maior. Além disso, cuidamos do encaminhamento de nossos estudantes com necessidades especiais para o mercado de trabalho. Agora, ações como estas são obrigação de todas as IESs”, aponta a coordenadora. Segundo ela, a Unicid é a primeira instituição de ensino superior do país a desenvolver um programa de reabilitação básica, indicado pela Organização Mundial de Saúde para países em desenvolvimento. O serviço deve oferecer orientação, comunicação, apoio psicológico e aulas sobre práticas do dia-a-dia. “O estudante, quando chega, já se sente amparado, participando amplamente do convívio com outros estudantes. Algo também muito importante é que o acadêmico que não tem necessidades especiais, com a convivência, aprende a ter contato com o diferente. Ele toma conhecimento da necessidade de respeitar o próximo e descobre que o portador de deficiência possui também suas habilidades e que é muito capaz”, completa Edileine. Iniciativa inédita As Faculdades Integradas Rio Branco (Firb) é outro exemplo de quem partiu do zero e hoje é ponto de referência para estudantes com deficiência auditiva que desejam estudar em São Paulo. Em 2000, três alunos surdos se inscreveram e foram aprovados no vestibular da instituição, o que criou a necessidade de intérpretes da Libras. Eles foram contratados e mantidos com recursos da escola – iniciativa inédita no Estado. “Nunca tinha lidado com surdos. Isso foi motivo até de uma situação curiosa: quando usei a palavra deficiente no primeiro contato com uma aluna, ela respondeu imediatamente que não era deficiente, que era surda mesmo. Ou seja, às vezes, criamos títulos que, na convivência, perdem o sentido”, observa Maria Genny Caturegli, coordenadora dos cursos de Pedagogia e Letras, que concentram o maior número de alunos surdos matriculados na Firb. A presença deles na faculdade gerou o interesse de colegas e professores pela rotina de quem possui deficiência auditiva, culminando, em 2001, com o seminário Espaço Aberto: o Surdo nas Faculdades Integradas Rio Branco, oportunidade em que foram discutidas questões sobre necessidades e interesses dos alunos. “No início, a primeira pergunta foi: como lidar com eles? Mas logo decidimos pela contratação dos intérpretes. Quanto aos professores, por causa da falta de costume, sentiram certa dificuldade com o fato de o estudante surdo não olhar diretamente para eles, mas para o intérprete. Mas todos aprendemos com o tempo”, resume Maria Genny. A cadeira de Pedagogia possui hoje dois alunos no 2o ano e cinco na primeira turma, refletindo a repercussão do amparo oferecido pela instituição. A coordenadora explica que atualmente tanto os alunos surdos quanto os “ouvintes” – como são chamados aqueles que escutam na lista de chamada – já estão acostumados à inserção. Nem mesmo eventuais “excessos” da língua portuguesa prejudicam o aprendizado. “Quando falamos uma palavra muito específica durante a aula, sem que ela tenha um gesto equivalente na Libras, os intérpretes soletram para os alunos”, acrescenta. Apesar da necessidade de participação dos intérpretes nos diálogos, eles são aconselhados pela Firb a separarem-se dos alunos nos horários de intervalo. A razão disso, segundo Maria Genny, é “acabar com a ‘paparicação’ que existia no começo da experiência, para que os estudantes mantenham um contato mais intenso”. Ela comenta que, além do convívio com o diferente, resultado observado também por Edileine Vieira Machado, da Unicid, os estudantes ouvintes podem viver uma experiência a que não estão acostumados, mostrando interesse em se aprofundar. “Hoje, muitos alunos perguntam quando daremos um curso de Libras”, diz. X nos pontos críticos A Universidade Metodista de São Paulo (Umesp) descobriu que tinha problemas de acessibilidade por intermédio de um de seus alunos. Após vivenciar na prática algumas dificuldades, Felipe Simões Quartero, que utiliza uma cadeira de rodas motorizada, decidiu enviar ao reitor da instituição as indicações dos locais onde deveriam ser feitas as adaptações. “Teve um semestre em que a direção distribuiu material impresso com o mapa da instituição. Aproveitei para marcar com X os pontos onde tinha mais dificuldade. Havia muitos degraus, por exemplo, na biblioteca. Então, mandei uma carta ao reitor com as minhas observações. Lembro que ele disse: ‘Já pensávamos em mudar e, em breve, mudaremos'”, conta o estudante, que faz o curso de Ciências da Computação. Sem a orientação de Felipe, a escola poderia levar mais tempo para se preocupar de fato com o assunto, sentindo até dificuldade em identificar os locais considerados de difícil acesso. “O campus da Metodista foi construído na década de 70, uma época em que ainda não havia essa preocupação com o deficiente em geral. A partir de 1999, passamos a nos preocupar mais com o tema. Para isso, contamos com o Felipe. Ele mapeou os locais que precisavam de mudança e nos ajudou muito. Construímos rampas nas calçadas e eliminamos as escadas. Internamente, também adaptamos um edifício, instalando o elevador. Ainda restam dois edifícios para se fazer as mesmas reformas, e esperamos terminar tudo até o próximo ano”, prevê Márcio de Morais, vice-reitor Administrativo da Metodista. O estudante, por sua vez, usufruiu desde o primeiro momento as alterações concluídas. “No dia em que dei a primeira passeada após as reformas, andei na calçada com todo mundo, o que me fez sentir mais próximo das pessoas. Antes de a faculdade atender aos meus pedidos, estava perto da calçada, mas, ao mesmo tempo, longe dela. A faculdade sempre teve a preocupação de me escutar, chegando a reparar na necessidade de eu ter aula em salas no andar térreo. Além disso, utilizo duas mesas especiais”, completa Felipe Quartero. Detalhes que antes passavam despercebidos, agora fazem parte dos projetos de reforma ou construção de instalações. O exemplo mais recente é o novo prédio acadêmico do Campus Planalto. Uma das principais preocupações foi a de preparar a unidade para cursos da área de Saúde, com infra-estrutura para a manutenção de clínicas e laboratórios. Tudo isso, porém, condicionado ao conceito de maior conforto aos usuários do edifício. As experiências destas três instituições – como as de outras IESs que não cabem nesta matéria – apontam para o que Izabel Loureiro, a coordenadora da Corde, enfatiza: “Não é possível tratar o portador de deficiência da mesma forma que se trata uma pessoa comum. Não. É preciso saber que o tratamento diferenciado é necessário, mas de forma que potencialize a pessoa.”

Regras à mesa

As instituições que decidem melhorar a acessibilidade de suas instalações devem respeitar normas técnicas estabelecidas pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). No caso dos portadores de deficiência física, segundo legislação nacional, a Norma Brasileira Regulamentadora (NBR) a ser seguida é a de no 9.050, cujo conteúdo determina as regras de acessibilidade a edificações, espaço, mobiliário e equipamentos urbanos. As reformas do espaço físico, além disso, precisam atender a outras normas referentes a questões de segurança em geral (saídas de emergência, especificações de segurança em elevadores etc.). Por este motivo, as adaptações não podem fugir aos padrões previstos pelos documentos da ABNT, ou as modificações podem acabar prejudicando ainda mais a acessibilidade dos portadores de deficiência física. As normas podem ser adquiridas na entidade (www.abnt.org.br). No caso da NBR no 9.050, o custo até o fechamento desta reportagem era de R$ 65,90 (formato impresso) ou de R$ 289,96 (formato digital).

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REVISTA ENSINO SUPERIOR. “Universidades em obras”. Disponível em: http://revistaensinosuperior.uol.com.br/textos.asp?codigo=10503. Acesso: em 19 set. 2010.

Livre acesso

Projetos de apoio ao aluno portador de deficiência ganham força nas universidades privadas. Saiba o que algumas escolas têm feito para melhor atender esse público

Isabela Barros

Quando entrou para o curso de letras da Universidade Ibirapuera, em 1983, a deficiente visual Luzia Bicudo, 51, não tinha à sua disposição recursos como livros em braile ou programas de computador que lêem o que está escrito na tela para o usuário.

Naquela época, a única ferramenta com a qual podia contar era a boa vontade de diretores, professores e colegas. Isso se tivesse sorte. Agora, o acesso dos estudantes portadores de deficiência ao ensino superior, em todos os níveis, é garantido por lei, o que trouxe o tema da inclusão para o dia-a-dia das instituições de ensino superior.

Mais do que uma mostra de bom senso por parte dos gestores, atender necessidades individuais é uma questão de sobrevivência no mercado. Da rampa de acesso para cadeirantes à oferta de intérpretes da Língua Brasileira de Sinais (Libras) para surdos nas aulas, nada mais será como antes. E esse movimento só tende a crescer: até 2015, todos os cursos que envolvam formação de professores devem incluir o estudo da Libras como disciplina curricular. A regra, prevista no decreto 5.626, de 10 de dezembro de 2005, também vale para fonoaudiologia. Universitários de outras áreas que queiram aprender a se comunicar por meio de sinais poderão cursar matérias optativas sobre o assunto, outra exigência estabelecida pela legislação.

“Os deficientes são aplicados, querem se superar. Gostaríamos de ter mais estudantes com esse perfil na universidade”, diz Jorge Bastos, reitor da Ibirapuera. Para exemplificar a sua opinião, cita o exemplo da própria Luzia Bicudo. Segundo ele, a primeira aluna com um tipo de deficiência a se formar na escola. “Em todo o curso, ela só tirou nota menor que sete uma vez. E foi seis”, conta. De olho nesse público, a Ibirapuera pretende acelerar os motores e incluir as aulas de Libras como disciplina obrigatória para todos os seus cursos de licenciatura e como optativa para os demais já em 2007. “Difícil é conseguir profissionais habilitados a dar aulas”, explica Kátia Bastos Machado, coordenadora do Núcleo de Educação da Ibirapuera.

Outra iniciativa no sentido de ampliar o debate sobre o atendimento ao aluno deficiente foi a criação da cadeira de educação inclusiva para os futuros professores. “Queremos formar docentes aptos a atuar de forma ampla, conscientes do papel da escola para com todos os seus alunos”, diz Kátia.

Em algumas instituições existem departamentos específicos para auxiliar quem tem necessidades especiais. É o caso da Universidade Cidade de São Paulo (Unicid), que desde 1999 mantém o Centro de Apoio Acadêmico ao Deficiente (Caad). O núcleo funciona no campus da instituição, no bairro do Tatuapé, e tem como principal objetivo ajudar na reabilitação e inserção social desses estudantes. Com uma equipe formada por nove profissionais, dos quais cinco cegos, o Caad oferece cursos gratuitos de computação e mobilidade para quem não enxerga. Os treinamentos, também abertos à população, são disputados. Para se ter uma idéia, 190 candidatos estão na fila para aprender a usar programas de informática como Virtual Vision e Dosvox, ambos com leitores de tela. Já as aulas de mobilidade são oferecidas num ambiente que reproduz áreas como quarto, sala, cozinha e lavanderia, a chamada “casa” do Caad. “Ensinamos os alunos cegos a varrer o chão e até a passar roupa”, explica Eduardo José Drezza, coordenador do Caad. “Eu mesmo treino essas pessoas para circular com independência dentro do campus”, diz. A Unicid tem matriculados hoje 23 deficientes visuais e 4 deficientes auditivos. Esses últimos são auxiliados por intérpretes de Libras desde a chegada à universidade. “O tradutor recebe o estudante no primeiro dia de aula e fica com ele até o final do curso”, explica Drezza.

A acessibilidade do campus é outra preocupação da Unicid. Para 2007, a escola quer ampliar as trilhas de acesso em piso de alto relevo, que podem chegar até a estação Carrão do metrô, nas proximidades do campus. “Temos rampas e banheiros adaptados para cadeirantes em todos os blocos, além de portas largas e sinalização em braile”, afirma Drezza. Outra meta para o próximo ano letivo é a colocação de semáforos sonoros na frente do prédio. “Já fizemos a solicitação à prefeitura”, diz.

A dedicação ao assunto não é menor na PUC-Minas. Lá foi criado, em março de 2005, o Núcleo de Apoio à Inclusão do Aluno com Necessidades Educacionais Especiais (NAI). O atendimento começa no vestibular, quando os candidatos podem informar caso precisem de algum auxílio para realizar as provas, como a impressão dos exames em braile, por exemplo. Depois, durante a matrícula, os aprovados respondem um questionário sobre eventuais necessidades pedagógicas diferenciadas. “Fazemos um contato pessoal com cada um e traçamos um plano de apoio”, explica Maria do Carmo Menicucci.

No início do semestre, professores e coordenadores de cursos são informados da chegada de novos portadores de deficiência nas salas de aula. “Providenciamos intérpretes de Libras e até monitoria se houver lacuna de conteúdos maltrabalhados no ensino médio”, diz Maria do Carmo. Entre as iniciativas recentes do NAI, estão ações como uma oficina de língua portuguesa para melhorar a redação dos surdos e o ensino de braile a um aluno que perdeu a visão aos poucos. Hoje, o projeto atende 148 estudantes da PUC-Minas, dos quais 36 surdos ou com alguma deficiência auditiva, 53 com limitações locomotoras e 59 cegos ou com algum problema de visão.

Além do suporte personalizado, as discussões geradas pelo núcleo renderam frutos como a criação de novas opções de graduação na PUC mineira. Oferecido pela primeira vez no vestibular de julho de 2006, o Curso Superior de Tecnologia em Tradução e Interpretação de Libras já tem 58 alunos matriculados. Na mesma filosofia de estímulo à inclusão, o Curso Superior de Tecnologia Assistiva (Libras e Braile) estreou no último processo seletivo, em novembro. O segredo do sucesso do NAI? A integração das atividades dentro da universidade e o apoio da comunidade acadêmica. “Não teríamos conseguido os mesmos resultados se não trabalhássemos em conjunto”, explica Maria do Carmo.

A boa notícia é que iniciativas semelhantes não param de se multiplicar. No último mês de outubro, foi a vez da Universidade Municipal de São Caetano do Sul (Imes) anunciar a criação de seu Núcleo de Apoio ao Discente com Deficiência Física. A idéia surgiu a partir do projeto de um professor. “Ele sugeriu que nós gravássemos em fitas cassetes os livros e apostilas dos cursos com deficientes visuais matriculados”, explica Joaquim Celso Freire Silva, pró-reitor comunitário e de extensão da Imes. A brigada do bem é formada por coordenadores, professores e estudantes, portadores ou não de deficiência. “O núcleo será a base para implantar ações na área”, diz. O primeiro passo será o treinamento dos funcionários para atender melhor os universitários com necessidades especiais, previsto para começar no início de 2007.

Outra característica comum às instituições de ensino superior abertas ao tema da inclusão é a vontade de atender bem a toda a comunidade. Na Faap, por exemplo, a acessibilidade não está restrita às salas de aula. “Temos o teatro, o museu. Precisamos estar abertos a todos os visitantes”, diz Américo Fialdini Júnior, diretor tesoureiro da Faap. Quem já assistiu a algum espetáculo no teatro instalado no campus da universidade em Higienópolis, na capital paulista, sabe que as quatro plataformas de acesso a deficientes com dificuldade de locomoção trabalham a todo vapor. Sempre com algum funcionário por perto para ajudar. Em seus quadros, a Faap tem três alunos e dois professores com algum tipo de deficiência. Os docentes trabalham na pós-graduação, sendo um cego e um paraplégico. Até o final de 2007, a Faap pretende lançar cursos livres voltados para pessoas que não enxergam. Os temas do novo serviço ainda não foram definidos.

O retorno para quem pratica a educação inclusiva não vem só no aumento do número de matrículas a cada ano. Quem investe em inclusão ganha ainda pela imagem de instituição socialmente responsável. “Não existe campanha de marketing mais eficiente do que o sucesso dos portadores de deficiência”, afirma Jorge Onoda, pró-reitor da Universidade Cruzeiro do Sul (Unicsul). Onoda é um entusiasta do bom desempenho dos estudantes com esse perfil. Um de seus maiores orgulhos nesse campo é o advogado Maurício da Silva Gomes, 33. Formado em 2002 na Unicsul, Gomes é cego. Hoje, faz mestrado em Direito na PUC-SP e trabalha num escritório de advocacia em São Paulo. Suas especialidades são Direito Trabalhista e Civil. “A universidade colocou à minha disposição todos os recursos de que precisei durante o curso”, conta Gomes. “Alunos como o Maurício são motivo suficiente para que todos os donos de universidades abram suas portas para os deficientes”, afirma Onoda. A Unicsul também pretende oferecer a disciplina de Libras a partir de 2007.

Secretária municipal da Pessoa com Deficiência e Mobilidade Reduzida de São Paulo, Mara Gabrilli comemora a mudança de atitude por parte de algumas instituições. Mas diz que ainda há muito a ser feito. “Não adianta construir rampas sem repensar a conduta. Existem muitas barreiras de atitude”, diz. Na secretaria, Mara já recebeu denúncias como a de uma estudante hostilizada depois de pedir a mudança da sala de aula do primeiro andar para o térreo, já que o prédio da universidade não tinha elevador. “Os próprios colegas a discriminaram por isso”, conta. Formada em Psicologia e Publicidade, Mara é tetraplégica desde 1994, quando sofreu um acidente de carro. De lá para cá, voltou a freqüentar uma instituição de ensino superior para fazer cursos de extensão em terceiro setor e negociação na Escola de Administração de Empresas da Fundação Getulio Vargas (FGV) em São Paulo. “Fui muito bem atendida”, diz. A julgar pelos bons exemplos citados ao longo desta reportagem, a secretária pode apostar que dias melhores virão para os universitários portadores de deficiência.

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BARROS, Isabela. “Livre acesso”. In: Revista Ensino Superior, São Paulo. Disponível em: http://revistaensinosuperior.uol.com.br/textos.asp?codigo=11863. Acesso: em 19 set. 2010.

Iniciativas que valem ouro

Top Educacional chega à 13ª edição e destaca idéias e ações de responsabilidade social que fizeram bonito

Luciana Rego

Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (Abmes) promove anualmente, desde 1992, o Prêmio Top Educacional Professor Mário Palmério. A iniciativa contempla os melhores projetos desenvolvidos por instituições de ensino superior. Na última edição, realizada em 6 de julho, o vencedor foi o Programa Gota D´Água, do Centro Universitário São Camilo, do Espírito Santo.

De acordo com os coordenadores do evento, foram levados em conta como critérios de avaliação as propostas inovadoras, com resultados comprovados, em uma ou mais esferas das seguintes áreas: ensino, pesquisa e extensão; inovações curriculares na graduação, pós-graduação e nos cursos seqüenciais; avaliação institucional; modelos de gestão; e iniciativas promotoras de inclusão social.

Segundo Adriana Abel Penedo, participante do projeto Gota D´Água, a competição permitiu que o trabalho fosse conhecido por um  grande número de pessoas. “É de suma importância participar de eventos como esses, pois é uma forma de as ações bem-sucedidas serem replicadas e adaptadas para as necessidades de diferentes regiões do país”, explica.

O Programa Gota D´Água tem como objetivo fundamental a conscientização da população sobre a importância da conservação da água, por meio do seu uso racional. Há cinco anos, quando começou, a proposta era mobilizar apenas a população do próprio centro universitário (professores, alunos e funcionários). Pouco tempo depois, a iniciativa já havia alcançado 49 escolas do sul de Minas Gerais. Os planos aumentaram e foi estabelecida uma parceria com a ONG Água e Cidade. Hoje o programa atua em diversas regiões dos Estados de São Paulo, Santa Catarina, Pernambuco, na cidade de Brasília e no Canton de Asserí, na Costa Rica.

Com a implementação das atividades, houve uma redução de 60% no consumo de água nas escolas que participam do projeto. Ela ainda explica que os objetivos foram alcançados graças à conscientização da população, sem a necessidade de utilizar nenhuma tecnologia. O plano continua dando frutos, e a equipe, junto à ONG parceira, irá participar da formulação de um relatório organizado pelo Ministério das Cidades para a formulação de um plano nacional de conscientização hídrica.

Na premiação, tiveram destaques com menções honrosas a Faculdade de Ciências de Cascavel, no Paraná, e o Centro Universitário Newton Paiva, em Belo Horizonte (MG), pelos projetos Ensino da Matemática para deficientes visuais por meio da utilização do Multiplano Concreto e Virtual; e A universidade e a luta pela constituição dos direitos humanos: como a atenção integral ao paciente judiciário reduz o sofrimento mental”, respectivamente.

Buscando melhorar o aprendizado de estudantes com deficiências visuais do ensino médio, o professor Rubens Ferronato desenvolveu materiais didáticos artesanais para conseguir passar aos alunos, com maior facilidade, temas como trigonometria, gráficos, estatística, geometria, tabuada e funções matemáticas.

Já o programa de atenção integral ao paciente judiciário com problema mental é direcionado a promover formas de reinserção social de infratores com deficiência mental. O projeto foi criado há seis anos e faz assistência a 266 pessoas. A idéia da iniciativa é desenvolver ações de cidadania para melhorar o tratamento de problemas mentais, trabalhando a nova metodologia de saúde mental, com a integração da família do doente e, dessa forma, resgatá-lo para o convívio com a sociedade.

Até a 13a edição, a equipe que obtivesse o 1° lugar recebia um prêmio no valor de R$ 5 mil. A partir de 2006, o valor sobe para R$ 7 mil. Os dois projetos que receberem menções honrosas ganham uma gratificação de R$ 2 mil cada. A comissão julgadora continuará composta por seis membros, sendo um representante da Secretaria da Educação Superior (SESu-MEC), um representante do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) e quatro ligados ao campo educacional, indicadas pela presidência da Abmes.

As inscrições para o Prêmio Top Educacional deverão ser encaminhadas para a Abmes até o dia 15 de dezembro de 2006. Os formulários de preenchimento encontram-se no site www.abmes.org.br.

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REGO, Luciana. “Iniciativas que valem ouro”. In: Revista Ensino Superior, São Paulo. Disponível em: http://revistaensinosuperior.uol.com.br/textos.asp?codigo=11829. Acesso: em 19 set. 2010.

A força da diferença

Instituições modificam infra-estrutura, criam programas específicos e apostam na integração de portadores de deficiência

Pelo cálculo da Organização Mundial de Saúde – OMS, a população brasileira conta com 15% de pessoas portadoras de algum tipo de deficiência. Por mês, cerca de 10 mil tornam-se deficientes, na maioria das vezes por causa dos acidentes automobilísticos ou da violência urbana. Embora a igualdade seja um direito básico de todo ser humano, dentro desse cenário os deficientes se tornam “cidadãos de segunda classe”, pois as oportunidades de crescimento pessoal e profissional diminuem. Só para se ter idéia, segundo dados do livro Oportunidades de Trabalho para Portadores de Deficiência, do sociólogo José Pastore, dos 16 milhões de deficientes, nove milhões estão em idade produtiva, mas somente um milhão estão no mercado, sendo que 800 mil atuam informalmente. Em muitas cidades do país, é quase impossível para um deficiente tomar um ônibus, se locomover pelas ruas e, por conseqüência, freqüentar a escola. Na tentativa de inseri-los na sociedade, o governo cria algumas leis. Por força delas, empresas acima de cem funcionários têm de contratar uma determinada porcentagem de portadores de deficiência. Apesar da tentativa, a lei esbarra nas dificuldades enfrentadas por essas pessoas. “Por uma questão de desigualdade social, esse tipo de tentativa acaba invalidada. Não adianta destinar cotas de vagas se a mão-de-obra não teve oportunidade para se qualificar”, afirma Júlio César Tavares Moreira, diretor dos programas de pós-graduação e de graduação em administração da Faculdade Renascença, de São Paulo. Apesar de existir uma lei obrigando as empresas a contratar deficientes, os altos custos envolvidos fazem com que grande parte das companhias não cumpra a legislação. No setor de ensino, também há muitos fatores que dificultam a entrada de deficientes nas instituições. Se o prédio tem mais de um andar, por exemplo, é preciso contar com elevadores ou rampas. Bebedouros e telefones públicos rebaixados, além de banheiros especiais, são fundamentais para dar ao deficiente uma vida normal dentro da escola. “São fatores que integram os portadores de deficiência física”, acredita Moreira. A questão se complica pois há várias instituições instaladas em prédios antigos sem infra-estrutura preparada para receber deficientes. Muitas vezes, são detalhes, como a necessidade de contar com um operador no elevador, caso o deficiente não consiga alcançar o botão do andar mais alto; escrever todas as informações em braile ou, ainda, colocar sons identificando os andares, para que os alunos cegos possam se orientar. A Faculdade Renascença investe na inserção de deficientes físicos e desenvolve uma parceria com a Associação Desportiva para Deficientes (ADD), oferecendo bolsas de estudo para os membros da entidade. “Estamos adaptados para receber os alunos. As duas unidades da faculdade contam com ascensoristas nos elevadores, rampas para as salas e banheiros especiais. Fizemos tudo o que deveria ser feito para que os deficientes físicos possam ter uma vida normal na faculdade”, comenta Moreira. A ADD é uma ONG (organização não-governamental) que tem como principal objetivo reintegrar o deficiente à sociedade pela prática esportiva, investindo no desenvolvimento e na profissionalização do esporte adaptado. A filosofia da instituição é pautada principalmente no trabalho em equipe e na valorização do ser humano. Hoje, mais de 100 atletas portadores de deficiência participam das modalidades de basquetebol em cadeira de rodas, natação, atletismo, tênis, tênis de mesa e iatismo. O esporte é visto como alternativa, porém não como a única. Na avaliação de Steven Dubner, presidente da ADD e técnico da equipe de basquete Magic Hands, a qualificação profissional é essencial. “Não adiantam leis que obriguem a contratação de deficientes se essas pessoas não têm a mínima condição de desenvolvimento.” A associação entre a ADD e a Faculdade Renascença busca exatamente esse aprimoramento. O projeto propõe a criação de um centro de treinamento em informática para a especialização de deficientes. “Estamos atuando juntos para buscar patrocinadores. Primeiro trabalharemos com programas básicos, para depois chegar aos mais sofisticados, como programação de computadores”, diz Moreira. A parceria ainda é nova e, para o diretor da Renascença, o aspecto mais importante é o aumento da preocupação das instituições de ensino com a integração dos portadores de deficiência. “A faculdade se sensibilizou com essa questão e houve uma resposta positiva dentro da instituição”, comenta o diretor. No início do processo, os atletas da ADD estiveram na instituição e indicaram o que deveria ser feito para adaptar o prédio. Depois disso, os banheiros foram reconfigurados, os telefones foram rebaixados para que portadores de deficiência pudessem usá-los e foram construídas rampas com uma inclinação que permitisse a pessoas em cadeiras de rodas subir. Modificações simples como essas são suficientes para dar a muitas pessoas a oportunidade de estudar. José Genival da Silva teve poliomielite e, como seqüela, tem até hoje paralisia na perna esquerda. Ele é auxiliar de faturamento em uma empresa de segurança de câmeras e instalações de vigilância residencial, joga basquete há sete anos e atua no Magic Hands, o time da ADD, desde o ano passado. A volta à escola vem da crença na oportunidade para o crescimento profissional. “Tenho 28 anos e não dá para viver do basquete. O mundo está voltado para a área de computação e no setor há muitas oportunidades. Quero aproveitá-las para manter minha família com conforto”, diz. José Genival elogia a estrutura da faculdade. “Não basta somente falar, é preciso fazer. E a Renascença possui uma boa infra-estrutura para os deficientes, com locais espaçosos e rampas”, afirma.

Atendimento diferenciado

Outro exemplo de instituição preparada para receber deficientes é a Universidade Cidade de São Paulo (Unicid). Ela oferece 18 cursos de graduação nas áreas de exatas, humanas e saúde, possui 43 mil metros quadrados de área construída e conta com 12 mil pessoas, entre alunos, professores e funcionários administrativos. Recentemente, a instituição passou por uma reforma para instalar rampas de acesso em todos os andares, banheiros adaptados e elevadores com painel em braile. Entretanto, a infra-estrutura é apenas um dos elementos de apoio aos portadores de deficiência. Para dar suporte ao desenvolvimento dessas pessoas, a Unicid criou o Centro de Apoio Acadêmico ao Deficiente (Caad), um espaço de pesquisa de ponta que busca caminhos alternativos para a inclusão delas na sociedade. “Nossa proposta vai além da formação acadêmica. Queremos apoiar estudantes, funcionários e professores portadores de deficiência na defesa de seus direitos, possibilitando a eles igualdade de oportunidades e integração”, afirma a professora doutora Edileine Vieira Machado, coordenadora do Caad. O acompanhamento inicia-se no momento da inscrição no vestibular, quando o candidato declara suas necessidades específicas para fazer a prova. No caso de pessoas com deficiência visual, o Caad se responsabiliza pela confecção das provas em braile ou ampliadas e pela disponibilidade de um “ledor”. “Caso o candidato seja deficiente físico, providenciamos carteiras anatômicas”, afirma a coordenadora. Para deficientes auditivos, é disponibilizado um tradutor-intérprete de linguagem de sinais. “Procuramos atender às necessidades específicas de cada candidato, conforme sua solicitação”, explica Edileine. Após a aprovação no vestibular e a efetuação da matrícula, o aluno é convidado para conhecer o Caad e ali solicita os recursos necessários para sua participação integral na vida acadêmica. Para alunos com deficiência visual, há um setor responsável pela preparação de materiais (livros, textos e provas) em braile e transcrição do braile para a tinta, para que os professores possam fazer as devidas correções. No caso dos portadores de visão abaixo do normal, os materiais são ampliados e as cores da impressão escolhidas conforme a necessidade e patologia de cada aluno. O Caad oferece, também, aos alunos com deficiência visual um programa de Orientação e Mobilidade, para garantir aos universitários a possibilidade de locomover-se independentemente por todo o campus. Os professores também são orientados sobre as maneiras de dirigir-se aos alunos e quanto ao uso dos recursos pedagógicos para acompanhamento integral das aulas. “Para os alunos com deficiência visual, oferecemos cursos de informática, utilizando programas específicos para que possam realizar seus próprios trabalhos e também pesquisar na internet”, explica Edileine. Marcelo Silva de Andrade tem 25 anos e estuda serviço social na Unicid. “Recebo apoio fundamental para o meu desenvolvimento. Meu material é escrito em braile e posso acessar a internet por meio de sistemas de reconhecimento de voz”, afirma. Andrade teve seu problema diagnosticado aos sete anos de idade: alta miopia. Aos 12 anos, perdeu a visão do olho direito e, aos 16, ficou completamente cego. “Quando conheci outros deficientes, percebi que poderia fazer outras coisas. Hoje, mudei muito, tenho acesso ao trabalho e aos estudos e levo uma vida social normal. Isso mostra também que a sociedade hoje aceita mais o deficiente visual”, acredita. O grande sonho do universitário é concluir a faculdade e ter um trabalho digno para sustentar sua casa e sua família. “Algumas pessoas pensam que, por causa da deficiência, não precisam buscar nada, mas quem realmente quer alguma coisa na vida tem de batalhar”, afirma Andrade.

Parceria com a comunidade

A Unicid expande sua atuação por meio de cursos e atividades para a comunidade da região próxima ao campus. Na área de informática, oferece cursos gratuitos de introdução aos principais recursos do Microsoft Word, acesso a internet e introdução ao Excel 97. “A informática é essencial para o acadêmico cego, pois permite que ele tenha acesso às informações, uma vez que sabemos a dificuldade do acesso a bibliografias, jornais e revistas em braile”, afirma Edileine Vieira Machado. Segundo a Organização Mundial de Saúde, o microcomputador é considerado uma prótese visual, tamanha sua importância para a inserção dos deficientes na sociedade. A Unicid oferece também programas de educação física adaptada para portadores de deficiência visual e mental. Para os primeiros, o programa procura aprimorar suas capacidades físicas, motoras e habilidades motoras de manipulação, locomoção e estabilização. Já para portadores de deficiência mental, o programa procura favorecer o aparecimento de padrões básicos de movimentos (manipulação, locomoção e estabilização) em crianças.

Espaço Lúdico

As crianças portadoras ou não de deficiência têm espaço no Caad. “A criança portadora de necessidades especiais precisa, desde muito cedo, estar com outras crianças. Criamos um espaço de inclusão, utilizando equipamentos e brinquedos que favoreçam a integração apesar de suas diferenças”, comenta Edileine. Na mesma linha de inovações, a Unicid oferece o curso lato sensu educação e reabilitação – orientação e mobilidade para deficientes visuais –, uma perspectiva de desenvolvimento. Coordenado pelo prof. dr. Gracimar Bueno e dirigido a profissionais com formação superior em fisioterapia, terapia ocupacional, educação física, enfermagem e pedagogia, o curso tem o objetivo de capacitá-los a trabalhar com pessoas portadoras de deficiência visual na sua locomoção independente.

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REVISTA ENSINO SUPERIOR. “A força da diferença”. Disponível em: http://revistaensinosuperior.uol.com.br/textos.asp?codigo=10330. Acesso: em 19 set. 2010.